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SOBRE VELEIROS E YOGA


Estamos morando em um barco há pouco mais de 1 ano. E quando começamos este projeto, uma coisa era bem importante: um barco onde eu tivesse como praticar yoga.
Você que está lendo e nunca praticou, pode pensar que qualquer lugar serve. E é a mais pura verdade.
Para praticar yoga é necessário ter um corpo. 
 Só isso. 
E pode ser qualquer corpo. 
Corpos de todas as formas, tamanho e idade servem.
Mas eu queria praticar Ashtanga Yoga*, exatamente como fazia antes de entrar nessa vida.
E desde o começo da viagem, em janeiro de 2018, mesmo antes de recebermos o barco e sem o meu tapetinho (que era muito grande e pesado demais para trazer e tive qie deixar no Brasil) comecei minha prática , em cada apartamento Airbnb que alugávamos. Pratiquei com frio, sem tapete,no escuro
 Pratiquei de madrugada, e só em um dos apartamentos alugados não consegui praticar porque realmente não havia nenhum espaço disponível.
Recebemos o barco. Agora eu tinha o lugar perfeito onde cabia meu ( novo) tapetinho e ainda sobrava espaço: o cockpit!

Mal sabia eu que levaria alguns meses para eu usufruir de todo aquele conforto. Os meses de fevereiro , março e abril foram de um inverno extremamente rigoroso. E mesmo com toda a capotaria* fechada, era impossível praticar na rua. 
Como eu resolvi isso? Eu praticava na nossa cabine, onde havia um   lugar onde o tapete cabia certinho.
Tá certo que eu não podia afastar os braços ou as pernas, mas eu sempre dava um jeito. Nesses primeiros meses eu pratiquei assim, num frio de -2°C e sem aquecimento. Só tinha uma estufinha elétrica.
Depois as temperaturas começaram a subir e eu levava a estufinha junto para o meu grande espaço de prática.
 Com o tempo não precisava mais do aquecimento e uns bons meses depois já não precisava mais nem da capotaria.  O verão tinha chegado!
Eu, que amo o calor e sofro tanto com o frio, me vi feliz  e animada.
 E não é que nos primeiros meses, com as condições perfeitas e sem sacrifícios  parecia que minha prática ía de mal a pior? Dores estranhas, desconhecidas para mim, desânimo, às vezes desisitia no meio da prática.
Por quê???
Na fase mais difícil eu estava ali, firme e cheia de determinação e, no momento em que tudo se encaixa, a coisa não acontece?
Eu olhava fotos dos amigos "yogis" nas redes sociais, praticando no "shala" e me dava uma saudade de estar lá respirando junto. Opa! Eu não posso pensar isso: estou vivendo um sonho, uma aventura!
Nesses momentos surgem muitos questionamentos internos. E é bem difícil seguir em frente numa jornada assim tão solitária.
Claro que esses momentos de desânimo íam e vinham (ainda vêm e  vão), e assim eu intercalava fases de pratica maravilhosa com fases de desânimo.
Eu falei lá em cima sobre as dores.
Aprendi, no meu próprio corpo, que algumas coisas não podem ser feitas em um barco (pelo menos não enquanto ele se move), pois podem levar a pequenas lesões, como aconteceu com meu tornozelo e coluna cervical.
Posturas que exigem equilíbrio são as mais difíceis.  (Quase) Toda postura que tem quatro apoios ou é feita sentada pode ser feita sem problemas.
E assim fui desenvolvendo minha prática de "Ashtanga yoga marinheira".
Procuro sempre praticar em um píer, uma praia ou um trapiche de madeira quando posso.
Só quem vive em uma superfície que se move o tempo todo sabe dar valor a um chão firme.
Faço um trabalho interno constante procurando não desenvolver apego às posturas. Claro que quero desenvolver e aprender, mas esta caminhada lenta está me dando tempo para compreender muita coisa.
Se eu trocaria essa vida de incertezas e mudanças constantes por uma vida estável como era minha vida anterior? Certo que não.  Sei que obque estou vivendo é único e esta experiência está sendo incrível demais.
E como já mencionei, tudo o que eu preciso para praticar yoga é ter um corpo.
Nosso projeto de viver em um veleiro  durante 2 anos chegou na metade. Nesse tempo velejamos parte da Europa e Mediterrâneo, Ilhas Canarias e atravessamos o Oceano Atlântico.
Para fazer a travessia criei uma prática baseada na primeira série do Ashtanga yoga, onde eu não fazia as posturas de equilíbrio em pé nem as invertidas. Adaptei algumas posturas e consegui chegar do outro lado do oceano com uma prática consistente.
 Depois de chegar ao Caribe, voltei a praticar na primeira semana a primeira série do Ashtanga inteira sem adaptações. E já na segunda semana retomei minha pratica normal.
Aqui no Caribe tenho tido mais dificuldades para praticar do que tinha na Europa. As ancoragens são bem mais "mexidas", muitas vezes com bastante "swell". Isso dificulta bastante. E quase não há lugares em terra que eu possa usar.

Mas para isso existe o yoga, para fazer com que eu compreenda que tudo é impermanência, que as coisas mudam e não temos controle sobre tudo.
E que viver o momento é algo precioso.
Um dia de cada vez.
Um video mostrando a minha prática durante a travessia está no meu canal do Youtube:


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